A hidradenite supurativa é uma condição crônica da pele que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Muitas vezes silenciosa e mal compreendida, ela é marcada por inflamações recorrentes, nódulos dolorosos e lesões que podem deixar cicatrizes permanentes. Não se trata apenas de um desconforto estético. Essa doença interfere diretamente na qualidade de vida, atinge a autoestima e compromete o bem-estar psicológico de quem a enfrenta.Nos últimos anos, diversas abordagens terapêuticas têm sido testadas para amenizar os sintomas e controlar sua progressão. Antibióticos, anti-inflamatórios, cirurgias e terapias a laser são opções já conhecidas. Mas agora surge uma alternativa inesperada: a semaglutida, princípio ativo presente em medicamentos como Ozempic e Wegovy.
O que é a hidradenite supurativa?
A hidradenite supurativa é uma doença inflamatória que compromete os folículos pilosos, principalmente em áreas como axilas, virilha, nádegas e abaixo dos seios.
Entre os sintomas mais comuns estão:
- Lesões avermelhadas e dolorosas
- Abscessos que podem drenar pus
- Fístulas (túneis sob a pele) em estágios avançados
- Cicatrizes permanentes
Pesquisas estimam que uma em cada 100 pessoas conviva com esse problema, muitas vezes sem diagnóstico adequado. Além da dor física, a doença gera altos índices de depressão e ansiedade, já que impõe limitações severas ao cotidiano.
A obesidade figura entre os principais fatores de risco. Ela potencializa a inflamação do organismo e agrava o quadro clínico. É justamente nesse ponto que a semaglutida se apresenta como uma possibilidade de intervenção.
Ozempic e Wegovy: o que são e como atuam?
Ozempic, aprovado em 2017 pela agência reguladora norte-americana FDA para o tratamento do diabetes tipo 2, e Wegovy, liberado em 2021 para o controle do peso, possuem a mesma substância ativa: a semaglutida.
Esse medicamento pertence ao grupo dos agonistas do receptor GLP-1, capazes de:
- Melhorar o controle da glicemia
- Reduzir a fome e aumentar a saciedade
- Contribuir para a perda de peso
- Diminuir marcadores de inflamação
Ainda que seu uso esteja centrado no combate ao diabetes e à obesidade, a comunidade científica vem investigando sua aplicação em outras condições de saúde, como dependência química, doenças cardiovasculares e agora a hidradenite supurativa.
O estudo: semaglutida contra hidradenite supurativa
Na mais recente edição da European Academy of Dermatology and Venereology Conference, em Amsterdã, pesquisadores apresentaram os resultados de uma investigação sobre a eficácia da semaglutida no controle da hidradenite supurativa.
Trinta pacientes obesos, em diferentes estágios da doença, receberam doses semanais do medicamento por aproximadamente oito meses. Os efeitos observados foram positivos:
- Perda média de seis quilos
- Melhora no controle glicêmico
- Redução da inflamação sistêmica
- Intervalo maior entre as crises
Antes do tratamento, os surtos ocorriam a cada oito semanas, em média. Após a introdução da semaglutida, passaram a ocorrer a cada doze semanas, representando um avanço significativo.
O pesquisador Daniel Lyons, do University Hospital St. Vincent, em Dublin, afirmou que mesmo em doses moderadas a semaglutida trouxe benefícios clínicos importantes. No entanto, destacou que estudos mais amplos ainda são necessários para confirmar a eficácia e avaliar a segurança em doses mais elevadas.
Por que a semaglutida pode ajudar?
Há pelo menos três razões que explicam o impacto positivo da semaglutida no tratamento da hidradenite supurativa:
- A redução de peso diminui a pressão e o atrito nas regiões afetadas e contribui para a queda da inflamação associada à obesidade.
- O controle glicêmico, que é melhorado pelo medicamento, combate uma das condições ligadas à HS: a resistência à insulina.
- O efeito anti-inflamatório auxilia a reduzir a frequência e a intensidade das crises.
Assim, a semaglutida não atua apenas pela perda de peso, mas em um conjunto de fatores que favorecem a melhora clínica dos pacientes.
Hidradenite supurativa: quais são os tratamentos disponíveis?
Ainda que a semaglutida surja como esperança, ela não faz parte do protocolo oficial de tratamento. Hoje, as alternativas mais utilizadas são:
- Mudanças no estilo de vida, como perda de peso, dieta adequada e abandono do tabagismo.
- Uso de antibióticos para combater infecções.
- Aplicação de medicamentos biológicos, como o adalimumabe, que atuam no sistema imunológico.
- Intervenções cirúrgicas em casos graves, removendo tecidos comprometidos.
- Procedimentos a laser para eliminar os folículos pilosos afetados.
A semaglutida aparece, portanto, como um complemento em fase de estudo, mas com potencial para alterar o modo como a doença é tratada.
Impacto na qualidade de vida
A hidradenite supurativa não se resume a um desafio médico. Ela limita atividades, compromete a vida social, afeta relacionamentos e repercute na autoestima. A dor e os constrangimentos criam barreiras invisíveis, mas profundas.
Nesse cenário, qualquer tratamento capaz de reduzir a frequência das crises e controlar a inflamação significa devolver ao paciente parte da normalidade perdida. A perspectiva de melhora, ainda que parcial, já transforma a forma como a doença é enfrentada.
O futuro da pesquisa
Ainda não se pode afirmar que Ozempic ou Wegovy farão parte oficialmente das terapias contra a hidradenite supurativa. No entanto, os dados apresentados até o momento indicam que medicamentos inicialmente voltados para diabetes e obesidade podem abrir novos caminhos no tratamento de doenças dermatológicas crônicas.
O próximo passo depende da realização de ensaios clínicos em larga escala, que avaliem de maneira mais detalhada segurança, eficácia e dosagens adequadas. Até que isso ocorra, a semaglutida deve ser vista como uma opção em investigação.
O essencial em poucas linhas
A semaglutida pode representar uma inovação importante no combate à hidradenite supurativa. Os resultados iniciais mostram menos crises, redução da inflamação e perda de peso em pacientes acompanhados durante meses. Ainda é cedo para chamá-la de solução definitiva, mas o horizonte se abre para novas possibilidades terapêuticas.
Mais do que uma tendência ligada à fama recente do Ozempic, trata-se de um avanço científico que pode devolver esperança e qualidade de vida a quem convive com uma das doenças de pele mais dolorosas e limitantes que se conhece.